Se você nunca teve seus argumentos invalidados por alguém, então você não está cumprindo direito o seu papel de cidadão childfree no mundo. Brincadeiras à parte, este é um dos principais motivos pelos quais as pessoas que não desejam ter filhos preferem, muitas vezes, o silêncio: porque é muito cansativo ser desqualificado o tempo todo. É como se fôssemos ateus cercados por evangélicos fanáticos tentando nos converter à maternidade/ paternidade. Por que será que a opção por não ter filhos incomoda tanta gente?
Muitas pessoas não conseguem simplesmente ser felizes com as escolhas delas, elas precisam convencer o mundo todo a viver da mesma maneira. Elas ainda acreditam que a vida é como uma receita de bolo da Ana Maria Braga: basta seguir as instruções, colocar a quantidade de ingredientes certos e, pronto – vai funcionar do mesmo jeito para todo mundo! Mas o que é bom para mim não necessariamente será bom para todo mundo; ou para aquela sua amiga casada e que adora crianças, mas não quer ser mãe; nem para seu irmão ou colega de trabalho.
Fico muito feliz que quem tem vontade de ter filhos os tenham. Eu sou a favor das pessoas terem liberdade de decidir o que faz sentido para suas vidas. Fico muito feliz que existam pessoas que, diferente de mim, tenham energia e força vontade para educar alguém. Eu, após trabalhar por oito horas, só tenho vontade de chegar em casa e conversar com meu sofá. A sociedade precisa aceitar que as pessoas são diferentes umas das outras e não são obrigadas a quererem as mesmas coisas que todo mundo. Às vezes, a mesma vida que faz alguém muito feliz pode ser extremamente tediosa e frustrante para outra pessoa.
Contudo, é interessante observar que, apesar de a escolha de NÃO TER filhos ser uma decisão que impacta única e exclusivamente na vida de quem decide (ao passo que a escolha ter filhos impacta a vida de toda a sociedade), mesmo assim temos que ficar o tempo todo nos justificando. Eu nem me importo mais em ser questionada. Porém, há quem se incomode, portanto, não seja intrometido se você não tiver intimidade com a pessoa – como diria a Sandra Annenberg, é “muito deselegante” ficar perguntando algo de foro tão íntimo para alguém que você mal conhece! Mas, pra mim, isso já tão natural, que não me incomodo com a curiosidade alheia, só me incomodo com a falta de respeito.
Ninguém gosta de ter a privacidade invadida e, quando isso acontece, tudo o que não precisamos é que nossos argumentos sejam rebatidos com “argumentos melhores”. Se você quis saber dos motivos de alguém, então OUÇA e RESPEITE (e dê sua opinião apenas se ela for requisitada) – ou será que isso é pedir muito? Você pode até não concordar e achar que os motivos do outro são rasos ou fúteis (talvez sejam para você, mas não para todo mundo), o que não pode é você querer impor a sua verdade sobre a dos outros, como se pais e mães fossem “seres de luz”, dotados de uma inteligência superior, e que, por isso, jamais deveriam ser questionados ou contrariados.
Aliás, aí está uma coisa que eu nunca fiz: nunca saí por aí tentando convencer ninguém a não ter filhos ou questionando as pessoas – “mas que horror, por que você quer ter/ teve filhos!?”, mas o contrário acontece o tempo todo comigo, com minhas amigas e amigos que não querem ser pais e com tantas outras pessoas que eu nem conheço e, neste curto tempo de existência deste espaço (hoje completando 18 dias “no ar”), já me trouxeram relatos bizarros de pessoas preconceituosas reproduzindo discursos prontos e vazios: mas filhos são uma bênção de Deus!; é a melhor experiência da vida; uma mulher só se sente completa/ realizada depois que se torna mãe; uma pessoa só conhece o amor verdadeiro através dos filhos; você nunca vai saber o que é felicidade; mulheres têm útero e existe uma razão pra isso; você não entende isso porque você não tem filhos.
Esse desrespeito, contudo, pode vir disfarçado de sutileza. A dificuldade em aceitar as diferenças não está apenas em falar algo que soe agressivo ou constrangedor, mas está, também, nas falsas palavras de apoio que, na verdade, não têm nenhuma intenção de apoiar, e sim mascarar o preconceito e invalidar e desqualificar as razões de alguém, como se não fossem fortes o suficiente: é normal ter medo do parto, meu conselho é relaxar; ah, mas várias mulheres que são mães conseguem ter uma carreira de sucesso; mas quando você tiver seu filho, você terá paciência; eu conheço muitos casais que tiveram filhos e conseguiram manter uma vida sexual ativa; mas se arrepender é normal, é só dormir que a sensação passa no dia seguinte. Tudo isso já me foi dito, dentro e fora das redes sociais – e as pessoas ainda juram que estavam “concordando comigo”.
Isso não é sobre quem tem os melhores argumentos, ou os mais altruístas, ou os mais dignos. Não é sobre quem tem razão. Não é sobre estar certo ou errado. Isso é sobre respeito. Se você não concorda, tenha seus filhos e seja feliz.
Afinal, como dizem por aí: você quer ter razão ou quer ser feliz? Eu quero ser feliz; mas também quero ser respeitada – e parar de ser criticada ou rotulada como uma pessoa fria, fútil e egoísta, só porque optei em não ser mãe. Ser pai ou mãe não torna ninguém melhor ou pior; mas suas atitudes, sim.
Brincadeiras do primeiro parágrafo à parte, realmente já li e ouvi “cada alfinetada e falsa dó” só porque nunca vou ser de reais egoístas, como as falácias bem mencionadas revelam e são…