Texto de Ana Claudia Delajustine* – Psicóloga CRP-RS 07/24543
*Mestra em Direitos Humanos
Maternidade compulsória: o condicionamento da mulher a tornar-se mãe. Ou seja, desde que somos enxergadas com um sistema reprodutivo capaz de gestar (mesmo antes da primeira menstruação!), já somos designadas a um lugar de “futura mãe”. Sim, quando a gente escuta “você só vai entender isso quando for mãe”, aos 10 anos de idade, é uma das performances da maternidade compulsória que atravessa no nosso processo de construção de personalidade e identidade.
Mas Ana, como isso surgiu? Por que a maternidade é compulsória e nos direciona a esse único caminho de ser mãe? Por que sentimos tanta dificuldade em decidir sobre a maternidade? Por que temos tantas dúvidas?
Desde a consolidação do capitalismo, o patriarcado passou a silenciar as mulheres, condicionando nosso espaço como o espaço doméstico. Mas isso não foi por acaso – foi uma estratégia econômica de manter nossos corpos em trabalho, sem precisar pagar: trabalho doméstico e trabalho reprodutivo. Sim, fomos responsáveis pela reprodução, para gerar mão de obra para sustentação da economia no plano capitalista.
Assim, também fomos direcionadas ao trabalho do cuidado: cuidar da casa, cuidar do relacionamento, cuidar dos filhos. Primeiramente, o cuidado parece ser uma característica intrínseca da mulher. Não é. O cuidado é um trabalho que nos foi condicionado como parte do nosso processo histórico de silenciamento e desqualificação.
Dito isso, precisamos falar sobre o dispositivo materno, um processo de subjetivação que atravessa nossa construção subjetiva, levando-nos constantemente para tarefas de cuidado. A maternagem é a naturalização desse lugar de cuidado que nos é imposto. Ou seja, desde crianças, recebemos estímulos que, de forma sutil e explícita, nos direcionam
para apenas um caminho: a maternidade.
E aí, crescemos e constituímos uma personalidade específica, cheia de traços individuais, e o contexto social segue nos apresentando a maternidade como única alternativa. Nesse processo de desenvolvimento psíquico, percebemos que nem sempre nossos desejos passam pela maternidade; refletimos sobre o processo de ser mulher versus ser mãe; percebemos que são duas posições que, não necessariamente, precisam
estar conectadas.
Mas nesse momento, sofremos. Qual é o outro caminho além da maternidade? Por toda nossa vida, fomos atravessadas pelo dispositivo materno e pela maternidade compulsória. Ouvimos falar sobre a ansiedade do tornar-se mãe, mas não temos um local de fala na zona de escolha pela não maternidade. O que isso pode implicar na nossa saúde mental? O sofrimento gerado em não ter um espaço de pertencimento social vai além da ansiedade e pode desencadear um processo de adoecimento psíquico. A
maternidade compulsória retira qualquer possibilidade de comportamento contrário daquele esperado pelas mulheres.
Pesquisas apontam que o casamento pode ser um fator de sofrimento e/ou adoecimento psíquico para as mulheres, em razão da desigualdade de gênero, carga mental, trabalho doméstico e maternidade. Pensando o planejamento familiar naturalizado – relacionamento estável, casamento, filhos -, a maternidade por si só também pode ser considerada um aspecto de sofrimento. Principalmente quando não questionada se é desejo da mulher ou se é um condicionamento do dispositivo amoroso.
Isso tudo significa que a maternidade nunca foi uma escolha pra mulher. Socialmente, a maternidade, hoje, é a única opção daquilo que se espera de uma mulher. Por isso que espaços de fala sobre o não desejo de ser mãe são tão importantes: precisamos sentir que existe representação e identificação dos nossos próprios desejos. Enquanto esse espaço da não maternidade não for reconhecido, a pressão social vai seguir nos trazendo processos de sofrimento e de não pertencimento. A maternidade precisa ser uma escolha!
Excelente reflexão!
Destaco o aspecto do cuidado, porque, sutilmente, ele vai se tornando “natural”, e nós mesmas passamos a acreditar que se trata de característica feminina.
“Não é.” Parabéns, Ana!