Frequentemente, as pessoas que optaram por não ter filhos são chamadas de “egoístas” e “egocêntricas” – ou então ouvem que “seus motivos são egoístas”. Como esse discurso é muito repetido – por sinal, tornou-se um “lugar comum” (galera anda meio sem criatividade para xingar) – , me peguei pensando na origem dessa palavra.
Como mulher das letras que sou, consultei três dicionários (Dicionário Houaiss, Dicionário Analógico da Língua Portuguesa e Dicionário de Sinônimos e Antônimos da Língua Portuguesa – vou deixar a pesquisa neste link aqui para este texto não ficar ainda mais longo; assim quem se interessar pode dar uma olhadinha). E percebi que, na verdade, muitas pessoas desconhecem a essência do conceito de egoísmo – apenas repetem a palavra, porque devem tê-la ouvido em algum contexto e acharam-na bonita.
Me chamou atenção, contudo, que um dos sinônimos para egoísmo é “amor-próprio”. Ele apareceu em dois dicionários que pesquisei. Mas por que será que a gente aprende que ter amor-próprio e se autopriorizar é algo ruim, uma coisa feia, uma “atitude egocêntrica” e, portanto, uma ideia que deve ser combatida? Uma das características mais importantes para termos êxito na vida são a autoestima e o autocuidado. Vejam que perigoso que é atribuirmos um estigma desses para o amor-próprio, como se o simples fato de alguém colocar-se como prioridade na sua vida o fizesse ser “egoísta”.
Quem se prioriza não é egoísta. Egoísta é quem faz isso a qualquer custo, prejudicando outras pessoas (só lembrando que essa pessoa precisa existir, tá? não vale para seres hipotéticos e imaginários, tampouco para bebês jamais concebidos). Agora, vamos lá: minha decisão de não gerar outro ser humano prejudica ou afeta a vida de quem? Aliás, essa decisão afeta a sua ou a minha vida? E, já respondendo com outra questão, já que essa escolha só afeta a minha vida (e, quando muito, a vida de quem se casou comigo), por que será que isso faria de mim “egoísta”? Por eu “não dar um filho ao meu marido” ou por que simplesmente as pessoas ainda veem isso como sendo uma obrigação, intrínseca ao ser humano? Ou por que sou mulher e o que assusta, na verdade, é a minha liberdade?
Existem várias formas de ser uma pessoa egoísta, tendo filhos ou não. Uma pessoa sem filhos pode ser mesmo muito egoísta (nesse sentido, até melhor que não tenha filhos mesmo, porque quem tem filhos tem que se doar totalmente e nem sempre isso acontece), mas também pode optar por não ter filhos porque quer se dedicar a dar amor de outras formas, seja com trabalho voluntário ou se dedicando a projetos que possam fazer diferença na vida de várias pessoas – e não apenas de uma ou duas. Às vezes, também, a pessoa não quer nem uma coisa nem outra – e abrir mão de algo não torna ninguém egoísta; mas tirar o direito de alguém, sim. Tentar persuadir pessoas a ter filhos que elas não desejam, só porque a sociedade exige, é bem egoísta.
Em contrapartida, muitas pessoas que optam por ter filhos são egoístas: escolhem tê-los porque não suportam a ideia de ficarem sozinhos, ou porque querem um cuidador de idosos/enfermeiro para quando ficarem velhinhos; há quem decida ter filhos só para tentar salvar o relacionamento; existem até os adoradores das ideias de Hitler: querem ter filhos porque consideram um desperdício que seus genes não sejam replicados. Já ouvi falar de mulheres que tiveram filhos só porque a amamentação é tida como um fator de proteção ao câncer de mama. Existem, também, aquelas pessoas que decidem não ser pai/ mãe, mesmo depois de seus filhos já terem nascido. Aliás, isso é o que mais tem… é só ver a quantidade de crianças em orfanatos ou sem o nome do pai na certidão de nascimento (sendo criadas apenas pelas mães, por exemplo).
Um padre não tem filhos porque a Igreja Católica entende que uma família (filhos e esposa) exige muito de um homem (cof-cof!) – essa é a principal justificativa do celibato ser obrigatório, já que os padres devem se dedicar à sua comunidade. Contudo, ninguém os chama de egoístas (“enfim, a hipocrisia”)!
O fato de eu não ter filhos não prejudica minha comunidade e não impacta negativamente na sociedade. O capitalismo precisa de pessoas em idade produtiva trabalhando para fazer essa máquina girar, mas do ponto de vista ambiental, eu vejo um mundo hiperpovoado, e a natureza entrando em colapso, devido excesso de pessoas no planeta. Os recursos naturais, como água, alimentos e oxigênio de qualidade, estão cada vez mais escassos. Então, por que seria egoísmo de alguém não querer colocar um filho neste mundo?
Embora eu não seja hipócrita e admita que um dos motivos para eu não ter filhos é porque eu não quero me responsabilizar pela vida e pela educação de outro ser humano, entendo que egoísmo é negar uma responsabilidade que é obrigação minha, mas não é minha obrigação povoar o planeta, não vivemos mais sob o risco de extinção. Então, por que querer evitar que essa responsabilidade exista seria egoísmo? Não vejo como relacionar dessa forma. Querer ter uma vida tranquila, finais de semana de silêncio e noites de sono regulares é egoísmo por quê, se não estou prejudicando ninguém? E, se ainda assim, disserem que pode até não ser egoísmo, mas todos os motivos são “fúteis” (como já ouvi também), eu te pergunto: é fútil eu querer respeitar os meus desejos mais íntimos ou o difícil mesmo é aceitar que uma mulher simplesmente não sente o desejo de ser mãe?
O fato é que esse tipo de ataque (sim, é um ataque, e bem agressivo) diz muito mais sobre quem está falando do que sobre quem está sendo dirigida a crítica, pois se essas pessoas sentem-se no direito de constranger e desqualificar os sentimentos de alguém com relação a algo (o não desejo de ser pai ou mãe, por exemplo), tentando impor a sua verdade sobre a de outrem, então essa pessoa está praticando justamente aquilo que veio criticar. Quando uma pessoa acusa outra de egoísmo, só pelo fato desta não querer ter filhos, ela desrespeita, desqualifica, constrange e rebaixa as razões e os sentimentos do próximo. No final das contas, o acusador é quem está sendo o único egoísta, pois julga que sua verdade tem mais valor, e desconsidera totalmente a subjetividade da experiência humana.
Ótimo post!
Obrigada, Rose! Volte sempre. Toda semana tem texto novo.
Adorei falou tudoooo muito bem 😌
Aproveito pra lembrar que, dentre as razões apontadas pela nossa amiga blogueira, em uma pessoa (mulher) ou casal, acrescenta-se, também, absurdamente – embora estando em dias difíceis com milhões de desempregados e famintos, o fato de quanto mais filho, mais recebe auxílio do Governo….
Egoísmo é colocar no mundo alguém que nunca pediu pra nascer.